A CRESOL VALE EUROPEU E A EMERGÊNCIA DE UMA NOVA FASE NO COOPERATIVISMO DE CRÉDITO SOLIDÁRIO DA AGRICULTURA FAMILIAR EM SANTA CATARINA

Justificativa

O Sistema de Crédito Rural com Interação Solidária (Cresol) surgiu na década de 1990, período em que se observa o início de fortalecimento da agricultura familiar brasileira em termos políticos e institucionais (BÚRIGO, 2010). Visto como um dos elementos estratégicos para o desenvolvimento do meio rural, experiências alternativas de criação de cooperativas de crédito surgem em Santa Catarina, a partir dos trabalhos das Organizações Não-Governamentais (ONG) e de fundos de crédito rotativo, desenvolvidos com apoio da igreja católica e movimentos sociais do campo. Mais adiante surge no sudoeste do Paraná também a primeira cooperativa de crédito rural com interação solidária Cresol (COLONIESE; LOURENCI; RODRIGUES, 2010). Em pouco tempo, esse Sistema, expande-se e se consolida nos três estados do Sul (RISSON, 2010). A criação do Sistema Cresol teve como objetivo a construção de um cooperativismo que não reproduzisse o modelo tradicional, controlado pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). O objetivo era organizar um sistema alternativo, que atendesse agricultores familiares excluídos do pacote tecnológico convencional da “revolução verde”, primando pela existência de uma cooperativa local, de preferência uma por município, que garantisse a participação social. O envolvimento de organizações da agricultura familiar existentes nos espaços locais reforçaria a capacidade de gestão e seus quadros poderiam compor os conselhos administrativos e fiscal da cooperativa. Ao contrário dos arranjos centralizados, baseados em cooperativas de grande porte, optou-se por estruturas descentralizadas, em forma de rede, articuladas entre si e com a comunidade local, favorecendo a democratização do uso do crédito rural e o efetivo controle social (COLONIESE; LOURENCI; RODRIGUES, 2010). Durante duas décadas, cooperativas do Sistema Cresol se multiplicaram no Sul, e expandiram-se para outros estados do país, tornando-se o exemplo mais expressivo da vertente solidária do cooperativismo nacional (BÚRIGO, 2010). A partir de 2016, a Confederação Cresol passou a ser composta por quatro cooperativas centrais: Cresol Baser, Cresol Central RS/SC, Cresol Sicoper e Ascoob Central (DAGNESE, 2016). Segundo informações do Banco Central, em 2017 o Sistema Cresol possuía 116 cooperativas singulares, além de contar com aproximadamente 501 mil cooperados. Atuam em 528 agências com abrangência de 1.341 municípios em 17 estados da federação. Em 2018, a Cresol apresentou os seguintes resultados econômicos: • R$ 1 bi de Patrimônio de Referência; • R$ 2,7 bi de depósitos totais; • R$ 2 bi de Crédito comercial; • R$ 3,1 bi de Crédito Rural (custeio e investimento); • R$ 120 milhões de Resultado Financeiro e • R$ 7,84 bi de Recursos Administrados Totais. A cooperativa de crédito é uma instituição econômica que provoca transformações nos territórios e na vida dos agricultores. Como fundamento de estabelecimento do Sistema Cresol, o crédito deveria instituir uma nova dinâmica no meio rural e impulsionar processos de desenvolvimento local e territorial. Esse processo envolve geralmente um conjunto de organizações e entidades que tem compromisso e relação com a agricultura familiar nos territórios (RISSON, 2010). A Cresol Vale Europeu é a maior cooperativa do sistema Baser e esse resultado da fusão trata de um processo que já dura 2 anos, o qual nas palavras de dirigentes e administradores da cooperativa reflete “a união importante e em busca do fortalecimento da cooperativa, com objetivo de torná-la mais sólida, melhorar a competitividade e o ganho de escala”. No entanto, existe a preocupação do quadro social e também dos dirigentes da cooperativa de que esse processo de fusão não signifique um processo de fortalecimento da “lógica bancária” e afastamento da cooperativa da realidade de seus cooperados. Conforme destaca (BITTENCOURT, 2010 p. 462): “o grande desafio para as Cooperativas de Crédito com Interação Solidária é tornarem-se viáveis economicamente mantendo vivos seus princípios e valores”. O processo de fusão das 05 cooperativas singulares ampliou significativamente o número de cooperados (pouco mais de 23 mil), gerando novos desafios em termos de governança. Por um lado, maiores são as possibilidades de continuidade e crescimento econômico (economia de escala e escopo), por outro lado, quanto maior o número de cooperados mais difícil torna-se a participação direta (CANÇADO et al., 2014). Evidencia-se, portanto, a necessidade de estudos e pesquisas que possibilitem entender o processo de fusão no cooperativismo de crédito da agricultura familiar e avalizar em que medida os processos de formação do quadro social (educação cooperativa) podem contribuir para qualificar a governança cooperativa. A contribuição deste estudo é destacada por Veloso Junior (2011 p. 19): “na medida em que trata de um fenômeno pouco estudado no âmbito do cooperativismo – as fusões e incorporações”. O processo de fusão tornou a nova cooperativa uma organização de grande expressão em termos econômicos e sociais dentro dos padrões do Sistema Cresol. Nesse aspecto, alguns pesquisadores fazem a ressalva de que em pouquíssimos casos o desenvolvimento do sistema cooperativista não obedeceu à “regra clássica que volta o feitiço contra o feiticeiro: o sucesso empresarial das cooperativas costuma ser a face próspera e iluminada de uma moeda que tem outro lado bem mais obscuro, representado pela distância crescente entre as suas direções e os associados” (ABRAMOVAY, 1994 p. 11). Assim, a pesquisa está inserida num contexto em que a cooperativa enfrenta a exigência de maior eficiência financeira, sem abandonar seus princípios cooperativistas solidários. Dessa forma, o problema de pesquisa que o trabalho buscou estudar foi nesse novo cenário de fusão, quais as motivações e justificativas que levaram a cooperativa seguir nesse processo em que a realidade do cooperativismo de crédito mudou, em direção a um processo mais centralizado com a aglutinação de cooperativas singulares, o que é diferente dos objetivos iniciais do sistema Cresol. E ainda, se a Cooperativa e gestores estão aproveitando ou tem projetos para refletir e atuar no desenvolvimento territorial. Além de compreender a influência de outros aspectos que não sejam vinculados ao fator econômico na opção pelo processo de fusão. E finalmente, para qualificar o processo a pesquisa busca refletir se a fusão vem acompanhada de ações de formação dos envolvidos para encarar esse novo desafio. Uma vez que o uso de metodologias de educação cooperativista pode ser uma boa estratégia no sucesso do processo de fusão.